As Terapias Expressivas
21-03-2013 16:20
Atendendo à Sociedade actual em que vivemos, sociedade do conhecimento e da informação, mas ao mesmo tempo individualista, racionalista, multimédia e altamente competitiva, num tempo em que a indiferença e a degradação de valores éticos impera, revela grandes deficits no domínio dos afectos e das relações humanas e sociais, daí urge rapidamente descobrir com espírito de inovação, trajectórias activas e expressivas que possam dotar o ser humano de maior liberdade e autonomia, assegurando desta forma melhor qualidade de vida e bem-estar psíquico e social.
As Terapias Expressivas, por demais reconhecidas e conceptualizadas a nível internacional gozam actualmente de um historial de vários anos, tendo surgido na Europa por volta de 1940, com o aparecimento das Psicoterapias de Grupo, após a 2ªGuerra Mundial e respondendo aos problemas psicossociais daí emergentes e em consequência dos problemas emocionais vivenciados.
Na realidade, ao querermos falar sobre Terapias Expressivas e ao querermos caracterizá-las, deparamo-nos desde, logo com o problema de delimitar o seu campo de estudo. Em princípio, todas as terapias, são ditas “expressivas”, já que visam facilitar e ampliar a expressividade do sujeito, visam a expressão do indivíduo no seu íntimo, de forma a permitir o encontro e reencontro com o seu verdadeiro ”eu”.
Assiste-se actualmente a alguma indefinição sobre este conceito, sendo utilizado por diversos profissionais de diversas áreas de intervenção, muito devido ao carácter lúdico e experimental de que são revestidas, são facilmente confundidas e até mesmo desvalorizadas, sendo encaradas como um meio de ocupação, animação e recreação de tempos e espaços livres, de forma divertida, que proporciona enorme prazer, descontracção e relaxamento, contribuindo no aumento da auto-estima e valorização pessoal de quem a utiliza.
Neste sentido, independentemente da forma de utilização das terapias expressivas, esta prática exige cada vez mais, junto dos profissionais que as utilizam, o conhecimento de procedimentos teóricos, técnicos e práticos próprios, que as permitem diferenciar entre si e adequar às diferentes necessidades, objectivos e às diferentes populações. O conhecimento teórico e a experiência proporcionada neste processo, promovem junto do profissional um maior número de competências, assim como uma maior familiarização sobre o assunto, assegurando desta forma uma correcta utilização.
Através da implementação de diversas técnicas e metodologias activas, de cariz verbal e não-verbal, expressivas, criativas, vivenciais e lúdicas, bem como na aplicação de determinados princípios teóricos que as fundamentam, contribui-se na estimulação das diversas potencialidades e das múltiplas inteligências do sujeito, facilita-se a interacção, as relações sociais e aprendizagem, promovendo desta forma uma maior autonomização, responsabilização e motivação para o crescimento, desenvolvimento e bem-estar individual, social e comunitário.
Actualmente existe uma grande generalização e difusão do termo Terapia Expressiva, onde podemos integrar tudo e mais alguma coisa, o que por vezes em nada abona este campo de actuação. Tudo aquilo que faça uso de outro tipo de expressão que não a verbal, é considerado Terapia Expressiva. O próprio termo e o seu carácter deveras atractivo leva à banalização do mesmo, contudo as Terapias Expressivas, encontram-se já implantadas na Europa e no Mundo, gozando de um grande reconhecimento. Daí surge a necessidade da sistematização e da estruturação, podendo ser utilizado em diversas formas de intervenção.
Trata-se de uma área que tem um terreno muito fértil para novas pesquisas e de grande interesse. Comecemos pela caracterização da relação estabelecida entre o terapeuta e o cliente, que é uma relação diferente da convencional, já que se reveste de qualidades e propriedades muito específicas e baseia-se na interacção activa entre os diversos participantes: Autor/Sujeito[1] (aquele que se exprime), a Expressão/Obra/Criação e o Observador/Terapeuta (Receptor). A relação que se estabelece, baseia-se numa experiência dialógica, já que não se focaliza só no cliente nem só no terapeuta, mas sim em todo o processo. Existe uma alternância ritmica de vários momentos de encontros e desencontros que se vão etabelecendo. A própria predisposição do terapeuta ao diálogo (verbal e não verbal) funciona como um convite para o cliente se poder exprimir. Valoriza-se a vivência emocional, a expressão advém da experimentação.
Neste triângulo comunicacional e relacional, a comunicação não é unidireccional entre E/R (Emissor/Receptor), já que é mediada pela expressão, pela criação, pelo produto. Trata-se de uma relação triangular, onde a criatividade e a imaginação têm um papel de destaque já que será sempre o pano de fundo do Terapeuta Expressivo. Ao acordarmos a criatividade, estamos a permitir expressar emoções ou resolver conflitos que de outra forma não eram possíveis de ser expressos, trabalhados e elaborados, estamos a encetar uma viagem de exploração interna.
Acreditamos que quando a pessoa perde a capacidade de ser criativa surgue o vazio, a falta de sentido, a doença, fica aprisionada, surgue a rigidificação, o estéril. Dai a importância do acto criativo, ser fundamental para ampliar a expressividade no sujeito, já que este se revela fundamental para a mudança, para a saúde física e mental, ao mesmo tempo que nos permite ter uma maior e mais profunda compreensão de nós próprios e do mundo envolvente. Quanto maiores forem os recursos disponíveis do sujeito se exprimir, maiores serão também as diversidades de soluções, conduzindo a maior flexibilidade e também maior capacidade de ver as coisas de um ponto de vista novo, sendo o sujeito capaz de enfrentar os desafios e problemas do seu quotidiano, assim como os medos das situações que por vezes não domina, conseguindo ultrapassar e resolver os problemas de forma inovadora, conseguindo desconstruir o antigo e construir o novo.
O auto-conhecimento, permite-nos abrir várias janelas do nosso mundo interior dotando-nos de novos olhares e visões sobre o mundo exterior. A viagem ao interior de si mesmo, permite-nos uma maior compreensão do nosso mundo interno, assim como estimula o funcionamento psíquico integrado e harmónico, através da desrigidificação do nosso psiquismo previamente programado. Se formos criativos pensamos de uma maneira completamente diferente, de uma forma mais fértil e nova. Só há criatividade na diversidade. Existem autores, que defendem a ampliação da consciência, através da capacidade transformadora que a criatividade exerce, conduzindo ao desenvolvimento e crescimento pessoal, assim como a apontam com potencial terapêutico.
Em relação às Terapias Expressivas, estas privilegiam na sua intervenção terapêutica, os chamados mediadores e técnicas de expressão, que valorizam o sentir, a emoção, as memórias, os sentidos, a vivência e a posterior reflexão. Segundo Natalie Rogers (1999):
"O terapeuta expressivo combina movimento, arte, escrita, imaginação guiada pela música,meditação, trabalho corporal, escrita livre, comunicação verbal e não-verbal, para facilitar o auto conhecimento, a auto expressão, a criatividade e estados mais alterados de consciência. Este é um processo integrador, que utiliza nossas habilidades intuitivas tanto quanto nossos processos de pensamento lógico e linear, dentro de um ambiente facilitador, centrado no cliente/grupo".
Defendemos a utilização polimediada, isto é a utilização de vários mediadores integrados, de forma a podermos abranger as diferentes dimensões do Ser Humano, já que este não pode ser reduzido, nem tão pouco fragmentado apenas a uma nota musical, nem só uma gota de tinta, tem de ser teatro, canto, dança, movimento, jogo, etc. Isto é o mesmo que dizer, que privilegiamos uma actuação integrativa de várias formas de expressão, tendo em atenção à complexidade que o Ser Humano apresenta, como um Ser Holístico, devendo ser encarado como um todo, (Holos), e o seu estudo ser multifocal. Assim possibilitamos que as diversas linguagens expressivas se cruzem, interpenetrem e se complementem. Queremos com isto dizer, que vários conceitos são respeitados, e que uma única visão da realidade se torna redutora, porque não contemplará toda a complexidade da realidade do homem enquanto ser humano.
O contacto com os diversos materiais, além de proporcionar um sentimento de agradável prazer, alegria, relaxamento e tranquilidade, envolvendo quem os utiliza, nas várias actividades desenvolvidas, facilita um desligar do mundo externo e uma ligação/conexão com o mundo interno, permitindo também o despertar do sensorial, o cinestésico que é muito investido, assim como toda a postura corporal é activada, já que coloca o corpo em acção, permitindo a descoberta e re-descoberta dos vários sentidos, ao mesmo tempo que promove a estimulação da autonomia do sujeito e a sua transformação interna.
Podemos então afirmar que as Terapias Expressivas, são uma abordagem multidisciplinar, multimodal e integrativa, sustentada numa aproximação vivencial de diferentes formas de linguagens expressivas, das quais se destacam as artísticas, tais como: as artes plásticas, o movimento, a dança, a música, o som, o drama, o teatro, a escrita, a poesia, as histórias, os contos, os mitos; as lúdicas, que incluem outros processos e métodos activos e criativos como o brincar, o jogo tais como o jogo de areia, os fantoches, as marionetas, os filmes; e as técnicas projectivas tais como as fotografias, as fotocópias, as radiografias, como veículos de expressão, nas suas vertentes pedagógicas e terapêuticas, promovendo assim a aprendizagem, contribuindo no bem-estar, crescimento e desenvolvimento pessoal e da comunidade.
As Terapias Expressivas não podem, nem devem de forma alguma, confundir-se com mais uma forma de arteterapia, de musicoterapia, dançoterapia, poesioterapia, dramaterapia, teatroterapia, psicodrama, sociodrama, ludoterapia, biodanza, ou qualquer outra forma de intervenção expressiva, ainda que trilhe caminhos que se interpenetram e complementam, com metodologias próprias e objectivos específicos, indo beber a todas essas práticas e utilize todas essas contribuições. A sua principal característica é que não privilegia nenhuma forma de expressão específica, obedecendo a uma perspectiva integrativa, multimodal.
O seu foco de trabalho não é artístico, nem tão pouco se preocupa com questões estéticas, não existe a preocupação de que o trabalho expresso/criado tenha de estar bem feito, nem bonito, nem que revele harmonia e equilibrio. O que importa, o que é valorizado é o processo e a sua significação para o sujeito e não o produto final e o valor da obra criada. Todo o trabalho visa estimular e ampliar a capacidade criadora e criativa do sujeito e das instituições. Não visa a criação artística nem tão pouco a aprendizagem pelas artes de qualquer habilidade e/ou técnica. O aspecto central é o sujeito, a sua singularidade, a expressão criativa e não a arte, nem a expressão artistica.
O seu campo de actuação é muito alargado, podem ser aplicadas em diferentes contextos socioprofissionais: Educação, Saúde, nas instituições e na Comunidade. Pode ser utilizada na prática privada em consultório, ou na empresa, ou instituição, em trabalhos ou serviços de acção social/comunitária, em contexto prisional, hospitalar, escolar, com populações desfavorecidas (sem abrigo, inserção social, exclusão scial), com população de risco (toxicodependentes, alcoólicos, 3ª idade, em comunidades de apoio à vítima,vítimas de stresse, traumas ou outra calamidade ), em famílias, grupos e casais. O trabalho pode ser individual ou em grupo, famílias ou casais, abrangendo todas as idades e ambos os sexos, nas mais diferentes etapas da vida. Além disto, permite que todas as pessoas possam conhecer o potencial expressivo e criativo dos recursos utilizados, assim como promove o desenvolvimento de competências criativas.
Podemos afirmar, que as Terapias Expressivas promovem o desenvolvimento das seguintes áreas/dimensões do ser humano:
Através da utilização de determinados princípios metodológicos, técnicas e práticas activas, expressivas, criativas, lúdicas, reflexivas, vivenciais, cooperativas facilita-se a expressão do (s) sujeito (s). Atribui-se grande importância na auto expressão, como elemento facilitador da comunicação e da relação. Expressão como manifestação, representação de sentimentos, sensações, ideias e pensamentos, de forma livre e espontânea. Numa época onde impera o racionalismo, a técnica e a ciência, o comportamento e a postura do Homem moderno é muita das vezes caracterizado por ser rotineiro, conformista, mecânico e automático, daí que a capacidade expressiva vai ficando cada vez mais condicionada, espartilhada e mesmo escondida, temendo ser criticada, daí ser uma das principais tarefas do Terapeuta Expressivo facilitar todo o trabalho que vise o desabrochar do ser expressivo que existe em todos nós, criando uma atmosfera de aceitação e compreensão em todo o processo. Trata-se de facilitar o processo de compreensão multidimensional do sujeito, enquanto ser humano. Sujeito como ser Total, Universal, Integrativo e Integrador.
A expressão vai promover um estado de fluxo emocional e criativo, desmobilizando as nossas resistências, as nossas defesas internas, facilitando a conquista e aquisição de novas competências e habilidades, afastando as nossas máscaras e dotando-nos de maior confiança e segurança à medida que vamos caminhando, transformando e renovando-nos a nós próprios e ao meio em que estamos inseridos. Desta forma partilhamos experiências, emoções, sensações, sentimentos e ideias, reflectimos em conjunto, ultrapassamos montes e vales, superando bloqueios e fronteiras, tornando-nos mais autênticos, mais genuínos e verdadeiros, sem receios, sem medos em enfrentar o desconhecido, o novo, o oculto. Assim ganhamos segurança perante a insegurança, tornamos colorido o mundo que até aí era a preto e branco, consolidamos a nossa identidade.
Através da expressão conseguimos dar sentido aos nossos próprios sentidos, damos voz, cor, som, ritmo, movimento, ao sentido, percebido e vivenciado, através de uma experiência única e significativa. Desta forma podemos dar voz aos não ditos, a algo que ainda não se encontra definido, podendo ver aspectos de nós próprios, que não conseguíamos de outra forma, e eventualmente repararmos e reorganizarmos as nossas emoções, os nossos sentimentos e as nossas ideias, assim como podemos contribuir na resolução de conflitos, facilitando o autoconhecimento, promovendo o bem-estar e a qualidade de vida tão desejada, por todos nós.
Através da expressão, descentramo-nos de nós próprios devido à conexão com as diferentes partes de nós mesmos, promovemos uma multiplicidade de perspectivas, acedemos a uma outra dimensão onde conseguimos visualizar, sentir, percepcionar, experimentar, pensar e reflectir sobre novas formas de olhar para os problemas, para o real, descobrimos novas formas de nos colocarmos, percebermos e agirmos perante as situações. Através de todo este processo ampliamos a capacidade de nos vermos a nós próprios e ao mundo circundante, ampliando a nossa compreensão sobre a realidade interna e externa.
Como se observa a postura e intervenção do terapeuta expressivo deverá ser no sentido de estimular e promover o ambiente continente e contentor, seguro e securizante para que a livre expressão surja sem qualquer receio em ser confrontada, reflectida e elaborada. Teremos sempre de fomentar a expressão e não a repressão, para isso o sujeito ou o grupo deverão sentir-se estimados e acarinhados, num ambiente envolvente que facilite e estimule a experimentação, o ousar fazer, o erro, a tentativa, sem medo de errar, sem julgamentos, ou interpretações.
Por fim a relação estabelecida entre o terapeuta e os diversos participantes, implica um grande envolvimento e interacção constante da parte do terapeuta com todos aqueles que são alvo da intervenção, requerendo uma participação activa, empática, disponível e próxima do técnico em todo o trabalho realizado. Esta relação, aproxima-se em muito da proposta Rogeriana dos grupos de encontro, tendo por base os três princípios norteadores que devem ser experienciados pelo terapeuta: (1) autenticidade ou congruência, (2) empatia e (3) aceitação incondicional (Rogers, 1983). Esta postura fenomenológica, mas também existencial, valoriza o encontro interpessoal e intrapessoal entre o sujeito, os participantes do grupo, as instituições e a comunidade, aceitando-o(s) como um todo, sem interpretações, isento de juízos de valor, aceitando e respeitando o sujeito na sua singularidade, numa concepção Humanista e Humanizadora, num exercício ético, integrativo e integrador, que se propõe ser formativo e transformador!
[1] Por vezes verificamos determinados autores referirem-se ao Sujeito como doente/paciente, outros como cliente (Abordagem Humanista, afirmam que as pessoas só podem ser compreendidas como indivíduos), outros como sujeito/pessoa/participante (esta última evita conotações patológicas e a consequente estigmatização). No nosso caso, seguimos a tradição Humanista e encaramos o sujeito como cliente a quem nos oferecemos para facilitar um continente seguro onde possa partilhar e reflectir sobre os seus problemas, sentimentos, ideias e angústias, fornecendo-lhe novas pistas e facilitando novas estratégias de resolução de problemas e de ampliação dos seus recursos internos.